quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Sopreter, por Claudio Domingos Fernandes








Terça feira gorda de carnaval, a cabeça pesa, a garganta amarga, o estomago revira. E para não lembrar qualquer micagem nos dias de Momo, tento prender-me ao ofício. Mas o cheiro de outra pele que não a minha, nauseia o ar e tenta ativar a memória por fragmentos de um sorriso aqui, um aceno ali, uma cantada banal: “não acredito que disse isto”... 

Folheio o jonal, ligo o radio, abro o dicionário... Retomo o ofício, tento centrar-me na tarefa. O copo sobre a mesa atira-me, imagens, sobre imagens assomam-se em mim: “não acredito: sou mesmo uma besta, um cretino!”... “Com a Jhanna, jamais me pasou pela cabeça?”... “Será que alguém percebeu... vou negar até no túmulo”... 

Procuro e não acho uma palavra que abra um texto, e preciso entregar até o fim da tarde. Já, já me ligam da redação. Prometi para ontém. Ainda está no copo a marca do batom... Agora me dou conta, a louça está lavada. Então porque este copo, e somente ele sobre a mesa?...: “Mathilda!”, filha da puta! Quer me encrencar!” 

Marianne esta com as crianças no litoral. Eu não suporto o litoral nesta época, depois tinha o artigo a ser entregue... 

Ao lado do copo, só agora percebo, um bilhete: “Ontém você não pode sair comigo, seu cretino, porque iria buscar Marianne e as crianças... Me explique este batom, ou minha irmã vai ficar sabendo de tudo”. 

“Fudeu!!!” A cabeça pesa, a garganta amarga, o estomago revira, tenho um texto para terminar e agora isto: “Mathilda!”... 

Ligo para um amigo: “preciso de sua ajuda, tenho que escrever um texto sobre a arte de interpretar, mas estou numa enrrascada daquelas, você não quer ver isto pra mim?... Isto, pro fim da tarde!...” 

Encontro Mathilda deitada de bruços à beira da piscina: “Flor não é o quê você esta pensando...” 

Fim de tarde a cabeça já não pesa mais, o estomago funciona bem, o sabor de Mathilda sinto-o na ponta da língua.

Minutos antes recebi o texto de meu amigo: “Sopreter é um termo que não se encontra no dicionário. Eu o encontrei na designação de um bairro, de uma pequena cidade de interior. Brincando, tornei-a uma palavra composta de origem grega: So, que significa assim e preter, que significar intérprete. A brincadeira serve para a arte de interpretar, que é o jogo de fazer de sua versão sobre um fato, a verdade deste fato...”
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Claudio Domingos Fernandes
Formado em Filosofia (Licenciatura), casado, dois filhos, trabalha na Secretaria de Educação de São Paulo, leciona Filosofia no Ensino Médio. Coordena Oficinas Culturais na Associação Cultural Opereta, onde ensina Italiano. É membro do conselho do Instituto de Formação Augusto Boal. É membro fundador da Associação Cultural Rastilho (A. CURA). Lançou VACUOS MUNDI. E-mail: cdomimgosfernandes@uol.com.br. Facebook: Claudio Domingos Fernandes.

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