segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Clipes, por Marco Maida














Algumas pessoas acreditam que o grau de desenvolvimento de uma sociedade se dá pelo seu progresso tecnológico. Eu discordo! Defendo o retrocesso...

Mais uma manhã ..., as manhãs não representam muitas novidades: Rosto que vai, rosto que vem, apenas rosto...! O mesmo sol, o mesmo cheiro na rua, cheiro de manhã, ..., tantos poetas já cantaram esse cheiro da manhã para os seus amores, mas é apenas cheiro de manhã!

Todas as manhãs encontro um número incontável de clipes soltos pelo chão, ...eles não são iguais!

Clipes me surpreendem..., pequenos, GRANDES, coloridos, nenhum igual ao outro. Fico feliz em vê-los descansando, passivos e inúteis, ... apenas clipes. Não têm pretensão de ser recolhido, reutilizado, reciclado, ..., mesmo porque não sonham, não pretendem, apenas descansam ao chão.

Rostos estranhos esboçam caricaturas de sensação: pretendem revelar uma identidade, vão e vêm velozes em busca de seus objetivos; objetivos que não são objetos, mesmo porque não existem os objetos senão pelo valor que eles atribuem ao seu possuidor.

Ninguém tem por objetivo possuir um clipes!

As pessoas usam clipes para depois descarta-los, para joga-los no chão...;

Abnegação... ?!

Não...! Afirmação de sua inutilidade! Ser inútil não significa não ser; pelo contrário, ser inútil é sua identidade.

Quem dera ser como o clipe: aceitar ser inútil!

Pretendemos muito. Quanto mais manhãs mais necessidades se-nos apresentam: abrir os olhos do corpo é cerrar as portas ao mundo, ..., encarcerar-se enfim! A cada nova e mesma manhã queremos superar o fenecer, afirmar a eternidade, sentir útil, queremos a todo custo afirmar-nos dentro de um plano que tem finalidade, que pode ser olhado e compreendido como um “todo acabado”...

Quem dera ser como o clipe: Abnegado..., descansando passivamente deitado ao chão!

Caçamos a felicidade enquanto os clipes retorcidos, quebrados, inúteis descansam solitariamente..., despreocupados.

Empresas, Lucro, Bolsa de Valores, Mercado Global, Transnacionais, Micro-empresa, micro-crédito, Bolsa Escola, Auxílio Gás, Vale Transporte, Cesta Básica, Cheque sem fundo, CPMF...

O clipe participa dessas transações: segura os papéis, prende um cheque a uma conta que deve ser paga pelo Boy, prende os memorandos das secretárias, quando desdobrado serve para coçar o ouvido do burocrata, ..., presente e ao mesmo tempo ausente o clipe sobrevive no espaço da burocracia..., mantêm-se Abnegado, e depois de uma certo tempo, inútil!

Quem dera ser como o clipe...

Vi dois clipes emaranhados!

Apaixonados? Não..., emaranhados!


A presença próxima de um outro clipe, por mais próxima, não incomoda, não provoca, não pretende, o clipe continua ali, descansando deitado ao chão..., sem paixão e nem pretensão..., deitado, descansando, inútil...

MAIDA, Marco Aurélio P. Memorias de Onã. São Paulo: Edição do Autor, 2011.
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Marco Maida
Mestrando em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, membro da Associação Cultural Rastilho. Facebook: Marco Aurélio Pinheiro Maida. E-mail: mapmaida@hotmail.com. Twitter @mapmaida

Um comentário:

  1. Uma sociedade não se faz com tecnologia e ciência, mas com leis e valores. Quando diminuem os valores e depreciam as leis, aí está a decadência de um povo, o começo do fim.

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